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Leão XIV, primeiro ano: notas sobre a geopolítica do novo Papa

12 de Maio de 2025

Correspondance Européenne

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Leão XIV, primeiro ano: notas sobre a geopolítica do novo Papa

Sandro Magister

 

O primeiro Papa com este nome, Leão Magno, um excelente teólogo e homilista, enfrentou Átila e conseguiu dissuadi-lo de avançar sobre Roma, numa das invasões bárbaras ao Império Romano.

Mas o novo Papa, Leão XIV, teólogo e canonista formado na escola do grande Agostinho, terá de enfrentar o Átila moderno, no meio da actual convulsão dos equilíbrios nacionais, quer ela se chame Xi Jinping ou Vladimir Putin.

As suas primeiras palavras, pronunciadas da varanda da Basílica de São Pedro, foram as de Cristo ressuscitado: «A paz esteja convosco». E esta palavra «paz» repetiu-a dez vezes. Para o Agostinho de «A Cidade de Deus», a paz nunca foi sinónimo de capitulação, mas também não pode dar lugar à guerra justa «quando um Estado deve ser obrigado a restituir o que injustamente subtraiu».

Robert Francis Prevost, na sua vida de religioso agostiniano, de investigador, de missionário, de bispo e de cardeal prefeito, nunca se envolveu em geopolítica, que era mais o quotidiano do cardeal Pietro Parolin, que estava ao seu lado na varanda de São Pedro.

Há todos os motivos para acreditar que Leão XIV reconduzirá Parolin ao cargo de Secretário de Estado e que, a partir de então, este actuará em consonância com o Pontífice e com a diplomacia do Vaticano. Isso já será suficiente para alterar o modo de actuação do Papa Francisco na cena internacional, onde costumava decidir sozinho o que dizer e o que fazer, mesmo que isso significasse pôr de lado a Secretaria de Estado e humilhá-la, preferindo recorrer à «diplomacia paralela» utilizada pela Comunidade de Santo Egídio, à qual o Cardeal Zuppi pertence desde a sua criação.

A Ucrânia poderá ser um teste decisivo para esta reorganização, como demonstra a alegre mensagem enviada ao novo Papa pelo principal arcebispo da Igreja greco-católica desta nação, Sviatoslav Shevchuk: «Ao tomar o nome de Leão, Sua Santidade testemunha ao mundo inteiro que o sopro de paz do Salvador ressuscitado deve transformar-se, no contexto actual, em doutrina renovada da Igreja Católica sobre a paz justa e duradoura».

Não é certamente da boca de Leão XIV que voltaremos a ouvir justificações para a agressão de Putin à Ucrânia como resposta a uma «provocação» da NATO, que «foi ladrar às portas da Rússia sem compreender que os russos são imperialistas e que não permitem que nenhuma potência estrangeira se aproxime das suas fronteiras», como o Papa Francisco afirmou em várias ocasiões.

O povo ucraniano também não irá ouvir Leão XIV dizer-lhe que precisa de «coragem para se render, com a bandeira branca», como propôs o seu antecessor, e muito menos a pretensão de querer que Kiev se tornasse uma «cidade aberta» à entrada das tropas russas, sem opor qualquer resistência, como exigiu nos primeiros dias da invasão o fundador e todo-poderoso líder da Comunidade de Santo Egídio, Andrea Riccardi.

Em suma, é previsível que, com o Papa Leão XIV, a Secretaria de Estado recupere em breve a sua autonomia em matéria de política internacional, com o acordo do Papa e sem mais «diplomacia paralela». E se é verdade que Parolin pertence à tendência diplomática da Ostpolitik, outrora defendida pelo Cardeal Agostino Casaroli, e não partilhada por João Paulo II nem por Bento XVI, o facto é que hoje o equilíbrio internacional está de tal forma perturbado que exige uma inventividade sem precedentes, incluindo-se nisto a diplomacia do Vaticano.

Mas se há ainda uma incógnita sobre os próximos passos das relações internacionais deste pontificado, ela diz respeito à China e merece ser descrita em pormenor.

Há um acordo entre a China e a Santa Sé, em vigor desde 2018. Um acordo procurado a todo o custo pelo Papa Francisco, concebido pelo mesmo Parolin, mas aplicado pelas autoridades de Pequim com um grau de arrogância que foi crescendo até atingir o seu clímax no preciso momento da vacânica da Sede Apostólica.

A China não só não enviou nenhum representante ao funeral do Papa falecido, como também declarou que tinha tomado conhecimento da morte de Francisco numa breve mensagem transmitida pelo porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros em resposta a uma pergunta de um jornalista estrangeiro. E impôs silêncio aos sites oficiais católicos, como o Catholic Church in China, que só publicou brevemente a notícia da morte do Papa durante algumas horas, logo a retirando rapidamente.

Durante o período de vacância da sede pontifícia, a China anunciou a nomeação de dois novos bispos, sem sequer se dar ao trabalho de simular o consentimento a posteriori do Papa, estipulado no acordo de 2018. Estas duas nomeações não são propriamente um gesto amigável para Roma.

A primeira dessas nomeações episcopais, foi a promoção de Wu Jianlin a bispo auxiliar da diocese de Xangai, a mesma diocese onde Pequim fez «cair de pára-quedas» um dos seus apparatchiks, Joseph Shen Bin, como bispo titular em 2023, sem sequer notificar o Papa Francisco, que foi forçado a aceitar este diktat meses mais tarde, como se não houvesse já dois bispos auxiliares na mesma diocese: Joseph Xing Wenzi, que caiu em desgraça em 2011 e foi forçado a retirar-se da vida pública, e sobretudo Thaddée Ma Daqin, que foi elevado a bispo em 7 de Julho de 2012 e que desde então está preso pelo único «crime» de cancelar a sua inscrição na Associação Patriótica dos Católicos Chineses, o principal órgão de controlo do regime comunista sobre a Igreja.

A segunda nomeação episcopal foi em Xinxiang, na província de Henan, de outro apparatchik do Partido Comunista, Li Jianlin, mais uma vez numa altura em que já existia um bispo, mas que não era oficialmente reconhecido: Joseph Zhang Weizhu, que tinha sido preso várias vezes por negar submissão ao regime. Em 2018, o novo bispo de Xinxiang foi exaltado por ter assinado uma ordem que proibia os menores de 18 anos de entrar numa igreja para assistir à missa em toda a província.

Para além dos mencionados acima, outros bispos na China continuam privados da sua liberdade. Um deles é Pierre Shao Zhumin, o bispo de Wenzhou, que periodicamente, antes do Natal e da Páscoa, é levado a um local secreto para que não possa celebrar essas festas com os seus fiéis. Mesmo neste tempo pascal, com mudança de pontificado, foi mantido incomunicável em local desconhecido. Há também Vincent Guo Xijing, um dos primeiros a ser nomeado com base no acordo de 2018 entre a China e a Santa Sé, como auxiliar da diocese de Mindong, mas que rapidamente se retirou «para uma vida de oração» a fim de evitar a obrigação de se registar nos organismos oficiais e que, desde o inverno passado, está confinado à sua casa, atrás de uma porta trancada por corrente bem visível.

Dado que nem o Papa Francisco nem as autoridades do Vaticano disseram publicamente uma palavra em defesa destes mártires da opressão comunista chinesa, muitas pessoas perguntam se este silêncio poderá continuar com o Papa Leão XIV.

Além disso, no dia 1 de Maio, entraram em vigor na China novas regras hostis, sob a forma de «direitos aduaneiros» impostos aos estrangeiros que pisam temporariamente o solo chinês com a intenção de desenvolver alguma actividade relacionada com religião.

Estas regras podem ser consultadas na íntegra no sítio Web da Igreja Católica na China. Em concreto, os estrangeiros estão estritamente proibidos de entrar em contacto com as chamadas comunidades religiosas «clandestinas», ou seja, não reconhecidas pelo governo, ou com sacerdotes que não se tenham registado na indispensável Associação Patriótica dos Católicos Chineses.

Também não é permitido aos estrangeiros misturarem-se com os locais nas igrejas oficialmente reconhecidas, devendo realizar separadamente as suas celebrações se isso lhes for facultado por um agente do regime.

É igualmente proibido levar para a China mais de 10 livros ou meios audiovisuais sobre temas religiosos. E ai de quem quiser distribuir esse material sem autorização prévia das autoridades, a qual é muito difícil de obter.

Em suma, esta «sinicização» das religiões, que é um dos dogmas de Xi Jingping, atingiu novo nível de rigidez com as regras promulgadas durante os dias da mudança de pontificado. É um desafio ao qual Leão XIV não poderá fugir nem aceitar passivamente. Tal como o seu predecessor Leão Magno, é agora a sua vez de enfrentar o Átila dos tempos modernos.

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Fonte:

Corréspondance Européenne

https://www.correspondanceeuropeenne.eu/leon-xiv-premiere-annee-notes-sur-la-geopolitique-du-nouveau-pape/

 

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