Introibo ad altare Dei... Ad Deum qui laetifica juventutem meam.
A antífona foi rezada em Abril de 1500 no Brasil por Frei Henrique de Coimbra. E naquele momento a alegria autêntica e incomparável da liturgia católica rejuvenesceu todos aqueles que assistiam à renovação incruenta do Santo Sacrifício do Calvário de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Em todas as orações cadenciadas que foram rezadas naquele dia, nas terras descobertas e baptizadas com o nome de Santa Cruz, sentia-se admiravelmente o fruto de concepções divinas, não humanas. Todas as palavras ecoaram do âmago do dogma e foram ditadas, sem qualquer sombra de dúvida, pelo Espírito Santo.
Contribua com qualquer valor para o site "Cristãos Atrevimentos" Quero Doar Iniciou-se a História litúrgica daquelas terras... ecoou pela primeira vez o som do órgão e cantou-se o Kyrie que repercutiu na alma de todos naquele momento e que repercute ainda hoje nas almas fortes e resolutas dos Homens que têm Fé.
O acto mais perfeito do catolicismo, o Santo Sacrifício, marcava naquela praia do sul da Bahia, o início da grande conversão dos povos à verdadeira religião na América. De uma perspectiva teológica da História aquele momento continuava a obra de Reconquista das almas que durante séculos se travara na península ibérica.
Por testemunho de Santo Ambrósio sabemos que já no século IV a antífona era utilizada na cerimónia solene de admissão dos catecúmenos quando, após receberem a água do baptismo, ingressavam na Igreja para participarem da Missa dos fiéis... até o século XI era recitada pelos sacerdotes em particular ao preparar-se para celebrar a Missa. A partir de então começou a ser dita no próprio acto da celebração e São Pio V o tornou obrigatório na sua reforma.
Introibo ad altare Dei... A Deum qui laetifica juventutem meam.
Há sem dúvida uma beleza singular que toca profundamente a alma de todos os Homens de Boa Vontade quando ouvem, ao início da cerimónia, estas palavras admiráveis...
Após levantarem a primeira Cruz no Brasil foi celebrada a Missa. Se refletirmos acerca desta celebração sob a luz da Teologia da História poderemos perceber a beleza da obra dos portugueses de então que profundamente cônscios da sua missão, temperados por séculos de lutas pela ortodoxia em terras ibéricas, tinham como fim último de suas acções a salvação das almas de outros povos. A máxima do direito canónico poderia ser a divisa daqueles homens: Salus Animarum, Lex Suprema!
Passo, então, a descrever aspectos da celebração da Primeira Missa no Brasil. A beleza da liturgia começou então a converter as almas dos povos autóctones assim como fortalecia o desejo dos lusitanos de alargar a Cristandade.
A História, então, deve submeter-se à sua concepção mais profunda, quero dizer, que os caminhos trilhados pelos povos dependem fundamentalmente da correspondência à Graça de Deus. E uma fonte de Graças quase infinita é a do Santo Sacrifício. Perceber isso é perceber a verdadeira História, a História da Salvação. A Beleza dessa História cintila ao contemplarmos a vocação dos povos, o sacrifício dos homens que dão forma a esses povos e a firmeza com que decidem colaborar com a Graça e levar a cabo as maravilhas de seus feitos. Dentre os feitos dos portugueses no Brasil o início da História litúrgica se eleva até aos píncaros. O apostolado da Santa Missa é obra inestimável. Os brasileiros de todos os tempos tiveram e têm de procurar exercitar a débil virtude da gratidão, pois o benefício que receberam não tem preço!
A Carta de Pero Vaz de Caminha
Foi com grande emoção que acompanhei o Senhor Dom Luiz, Chefe da Casa Imperial do Brasil, numa visita à Torre do Tombo, então dirigida pelo Doutor Pedro Dias, Catedrático de História da Arte da Universidade de Coimbra. Mostrando grande sensibilidade acompanhou Sua Alteza até o cofre onde estão depositados inúmeros preciosos documentos da gesta portuguesa. Mandou buscar a célebre carta do escrivão da Armada de Cabral que foi trazida pelas mãos enluvadas de uma amável funcionária. Então o distinto director do Tombo disse: Senhor Dom Luiz, por direito próprio tocará sem luvas no documento...
E é essencialmente apoiado nessa fonte1 que passarei a tratar da temática…
O escrivão discorre sobre diversos tópicos, mas o que considera mais importante foi, sem sombra de dúvida, o encontro com os habitantes daquelas terras. Refere-se aos índios mais de cem vezes2.
No que respeita aos actos dos portugueses o que considerou mais importante e digno de nota foi descrever, de forma detalhada, duas cerimónias religiosas realizadas em terras de Vera Cruz.
Note-se que a religiosidade em alto-mar era notável e já vem sendo estudada. A sacralização dos mares é outra grande obra dos lusitanos3. As cerimónias nas caravelas, podemos imaginar, eram muito bonitas e nutriam as almas das tripulações.
Também a toponímia brasileira foi sendo sacralizada. Caminha refere:
a horas de véspera, houvemos vista de terra! Primeiramente dum grande monte, mui alto e redondo; e doutras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos: ao monte alto o capitão pôs nome – o Monte Pascoal e à terra – a Terra de Vera Cruz.
Então toda a vida tendia à sacralização, os próprios regimentos náuticos recomendavam o baptismo das terras descobertas com o nome dos santos que se celebravam. O hagiológio cristão fincou-se nos acidentes geográficos como verdadeiros padrões de Cristandade. Era o sentimento religioso de um povo que se manifestava a cada lance da sua História4.
A Primeira Missa
No Domingo de Pascoela no ilhéu de Cabrália foi celebrada a primeira Missa. Determinou o Capitão de ir ouvir Missa e pregação naquele ilhéu. Foi celebrada por Frei Henrique de Coimbra em voz entoada e oficiada com aquela mesma voz pelos outros padres e sacerdotes, que todos eram ali. A qual Missa, segundo meu parecer, foi ouvida por todos com muito prazer e devoção.
Deve-se também referir a primeira Missa em que estiveram presentes os íncolas. Esta foi precedida de uma belíssima procissão que conduziu a Cruz que foi chantada onde levantou-se o altar. Sigamos as palavras de Caminha que descreve o percurso após a preparação da Cruz:
... Dali a trouxemos com esses religiosos e sacerdotes diante cantando, em maneira de procissão.
Eram já aí alguns deles, obra de setenta ou oitenta; e, quando nos viram assim vir, alguns se foram meter debaixo dela, para nos ajudar. Passámos o rio, ao longo da praia e fomo-la pôr onde havia de ficar, que será do rio obra de dois tiros de besta. Andando-se ali nisto, vieram bem cento e cinquenta ou mais.
A primeira procissão no Brasil demonstra o senso de sacralidade daqueles homens, que logo fez com que os indígenas participassem da cerimónia. O canto e o respeito pelo símbolo dos símbolos, a Santa Cruz, lançou uma chuva de bênçãos e graças que faz-se sentir de forma cristalina a partir da leitura da descrição. Evangelizou-se desde os primeiros contactos e pelos mais diversos meios.
Para a celebração do Santo Sacrifício elevaram a Cruz como ficou dito. E na Cruz estavam as armas do Rei. O Altar e o Trono, símbolo da fundamental união entre o poder espiritual e o temporal, foram representados:
Chantada a Cruz, com as armas e a divisa de Vossa Alteza, que primeiramente lhe pregaram, armaram altar ao pé dela. Ali disse missa o Pe. Fr. Henrique, a qual foi cantada por esses já ditos. Ali estiveram connosco a ela obra de cinquenta ou sessenta deles, assentados todos de joelhos, assim como nós.
No espírito dos portugueses estava sempre presente o dever de evangelização5. Podemos imaginar como a alma de um índio receberia as graças ao primeiro contacto com a liturgia católica, com o mais perfeito dos ritos que renovava o sacrifício do calvário. Os sinos, a música, o incenso, as velas, os gestos de grande nobreza e dignidade, os vasos sagrados, os paramentos e todas as alfaias, a harmonia das palavras de orações de uma simplicidade e uma beleza extremas, tudo concorreu para a elevação das almas. A sobriedade, a sacralidade e a solenidade com toda a certeza tocavam o mais profundo do ser daqueles homens que viviam na barbárie. Era a libertação do pecado que aparecia com a cadência dos movimentos do sacerdote e dos acólitos. Era a vitória da pureza e da humildade. Era o triunfo da Verdade sobre o erro e da Beleza sobre o hediondo. As almas se abriam ao infinito das belezas e perfeições de Deus...
Ao final da missa o apostolado prosseguiu. Eram, de facto, Católicos, Apostólicos e Romanos... e da pequena terra lusitana jorravam os Christãos atrevimentos:
Pelo que o Pe. Fr. Henrique se assentou ao pé da Cruz e ali, a um por um, lançava uma cruz atada a um fio ao pescoço, fazendo-lha primeiro beijar e alevantar as mãos. Vinham a isso muitos; e lançaram-lhas todas, que seriam obra de quarenta ou cinquenta.
O sobrenatural começava a actuar na vida dos povos que habitavam então a Terra de Vera Cruz, contrapondo-se ao preternatural. Era o triunfo da Verdade sobre o erro. Foi o triunfo da Beleza!
No mistério da transubstanciação Deus, presente em corpo, sangue, alma e divindade, distribuía abundantes graças e abençoava o Brasil. Pelos gestos sagrados de um franciscano os índios percebiam um mundo radicalmente diverso daquele a que estavam escravizados. Laivos de oiro da sociedade teocêntrica que brilhara na Idade Média no Velho Mundo resplandeciam no Novo Mundo. A res publica Christiana se alargava pela renovação incruenta do santo sacrifício do calvário que se renovava e renovava a face da terra. Emitte spiritum tuum et creabuntur et renovabis faciem terrae!
A Civilização Cristã é inviável sem a liturgia. A força de alma daqueles que pugnam pela restauração da única Civilização verdadeira vem da vida sobrenatural. A liturgia católica é o modelo para todas as liturgias da vida civilizada. Exige sacrifício!
A procissão mais rica da História da Humanidade deu-se dois séculos depois da primeira missa no Brasil. Foi em Ouro Preto, no ano de 17336. A riqueza é extraordinária. Na primeira missa os portugueses e os índios assistiram ao triunfo da Beleza, pois é o triunfo da Verdade o que se celebra. A procissão de Ouro Preto, segundo o seu cronista, marcava o nascimento de uma nova Cristandade, onde triunfa a Beleza, e, por isso, não poderia deixar de se intitular Triumpho Eucarístico.
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1 Todas as citações da Carta, certidão de nascimento do Brasil, foram feitas a partir da edição de Jaime Cortesão. A Carta de Pero Vaz de Caminha, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1994.
2 António José Duarte da Costa Canas, Religiosidade na Carta de Caminha, Actas VII Simpósio de História Marítima, Lisboa, 2004, p. 171.
3 Os gregos e os romanos chamavam Promontorium Sacrum ao cabo de São Vicente. Impressiona a obra de sacralização dos portugueses dos promontórios e montes litorâneos. Ao passarem por estes lugares certos gestos e cerimónias rituais eram praticados. Quando passavam pelo cabo de São Vicente, devido às relíquias que ali se veneravam, mesuravam todas as velas por sinal de reverência.
4 Sobre a historicidade dos motivos portugueses ver MARTIM de ALBUQUERQUE, Colecção de provas históricas dos objectivos nacionais, Lisboa, Sociedade de Geografia, 1971.
5 Informa o cronista: Quando saímos do batel, disse o Capitão que seria bom irmos direitos à Cruz, que estava encostada numa árvore, junto com o rio, para se erguer amanhã, que é sexta-feira, e que nos puséssemos todos em joelhos e a beijássemos para eles verem o acatamento que lhe tínhamos. E assim fizemos. A esses dez ou doze que aí estavam acenaram-lhe que fizessem assim, e foram logo todos beijá-la.
6 A descrição da magnificente procissão de trasladação do Santíssimo Sacramento da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos para a Igreja Matriz do Pilar foi publicada em Lisboa no ano de 1734. A exuberância da cerimônia foi descrita por Simão Ferreira Machado, na obra intitulada O Triumpho Eucharistico - Exemplar da Christandade Lusitana em publica exaltação da fé na solemne trasladação do diviníssimo sacramento da igreja da Senhora do Rosario para um novo templo da Senhora do Pilar em Villa Rica... aos 24 de Mayo de 1733... Pode ser consultado em Afonso Ávila, Resíduos Seiscentistas em Minas - Textos do século do ouro e as projeções do mundo barroco, Belo Horizonte, Centro de Estudos Mineiros, 1967. v.1.