No passado dia 17 de Agosto, Leão XIV regressou definitivamente ao Vaticano, após o repouso estival em Castelgandolfo. Nessa data, completaram-se também os primeiros cem dias do seu pontificado, iniciado a 8 de Maio de 2025.
Será este período, durante o qual o Papa não fez nomeações decisivas, viagens internacionais ou grandes discursos, suficiente para prever as próximas linhas do seu pontificado? De maneira nenhuma. Os tempos da Igreja não são os tempos da política e três meses são um período insuficiente para uma análise séria a respeito do futuro.
O pontificado do Papa Francisco foi objectivamente devastador, não tanto pelas vitórias do progressismo, que não alcançou nenhum dos seus intentos mais radicais, quanto pela confusão que gerou em todo o mundo católico, incluindo as divisões que provocou no mundo tradicionalista, empurrando uma parte desse mundo para posições de rejeição do primado petrino. O que significa que o processo de autodestruição da Igreja avançou, e é razoável perguntar se Leão XIV irá detê-lo, embora seja demasiado cedo para dar uma resposta definitiva a essa pergunta.
As primeiras impressões são importantes e, aquando da sua eleição, Leão XIV deu a impressão de ser um pastor consciente de que a sua missão não tem outro fundamento que não seja Cristo. A expressão In Illo uno unum, «Somos um no único Cristo», que retoma as palavras de Santo Agostinho acerca do Salmo 127, é o lema do novo Papa, que, ao que parece, está convencido de que não será julgado pelas suas inovações e pelo seu êxito mundano, mas pela sua fidelidade aos ensinamentos do Evangelho. Igualmente clara desde o momento da visita ao Santuário de Genazzano, dois dias após a eleição, é a sua devoção mariana.
A referência a Cristo, e portanto à natureza sobrenatural da Igreja, parece ser uma constante dos primeiros três meses de pontificado. De resto, sem o recurso a esta pedra angular, não há possibilidade de realizar o programa de Leão XIV, que consiste, como o Pontífice tem afirmado múltiplas vezes, em restabelecer a unidade e a paz na Igreja e no mundo, precisamente aquilo em que o pontificado do Papa Francisco falhou.
Os críticos conservadores e tradicionalistas de Leão XIV salientam que, nos seus primeiros cem dias de pontificado, o novo Papa citou mais de setenta vezes o Papa Francisco, apresentando-o como ponto de referência. Salientam ainda que não retirou, no todo ou em parte, documentos infaustos como Amoris lætitia e Traditionis custodes, que as suas declarações sugerem que tenciona prosseguir o caminho sinodal, que se expressou, em alguns discursos, com uma linguagem ambígua, típica do progressismo, e que, finalmente, confirmou no seu lugar todos os responsáveis dos gabinetes e dos dicastérios, a começar pelo Cardeal Parolin. O julgamento definitivo é impiedoso: Leão XIV aparece como um «Bergoglio com rosto humano».
É também verdade, porém, que em nenhum campo o Pontífice ultrapassou a linha do seu antecessor. Pelo contrário, houve sinais de uma inversão de rumo: «O casamento não é um ideal, mas a regra do verdadeiro amor entre o homem e a mulher», disse a 1 de Junho de 2025, corrigindo Amoris lætitia; no discurso aos governantes proferido a 21 de Junho, seguindo a linha de Bento XVI, defendeu com firmeza «a lei natural, não escrita pelas mãos do homem, mas reconhecida como válida universalmente e em todos os tempos»; a 9 de Julho, numa homilia pronunciada em Castelgandolfo, pareceu corrigir a ideologia green, tão apreciada por Francisco; na audiência de 13 de Agosto, afirmou que Judas Iscariotes escolheu excluir-se da salvação com a sua traição, em contraste com o Papa Bergoglio, que tinha dito não saber se Judas tinha ido para o inferno; e, em carta de 17 de Agosto endereçada à conferência dos bispos da Amazónia, condenou a adoração da natureza, colocando Cristo e a Eucaristia no centro da evangelização.
Por outro lado, a confirmação dos colaboradores de Francisco foi feita donec aliter provideatur, ou seja, até que ele decida o contrário; e, entretanto, o Papa nomeou o Cardeal Robert Sarah seu enviado especial para as solenes celebrações que tiveram lugar nos dias 25 e 26 de Julho no Santuário de Sainte-Anne-d'Auray, no quadricentenário das aparições, e o Cardeal Dominik Daka, que subscreveu as dubia sobre Amoris lætitia, seu enviado especial para as celebrações do centenário da erecção da Arquidiocese de Gdańsk (Polónia), que se realizarão a 14 de Outubro de 2025. A 22 de Agosto, Leão XIV recebeu em audiência privada o Cardeal Raymond Leo Burke, que Francisco considerava um dos seus piores inimigos; e já em carta enviada a 17 de Junho ao mesmo Cardeal Burke, por ocasião do seu Jubileu, lhe agradecia o «pronto serviço prestado com zelo» à Sé Apostólica, pregando sempre «os preceitos do Evangelho segundo o Coração de Cristo».
Por sua vez, em entrevista ao jornal La Stampa publicada a 18 de Agosto, o Cardeal Burke declarou: «O pontificado de Leão XIV destaca-se pelo seu cristocentrismo, [o Pontífice] fala constantemente do Senhor e da sua Igreja. É importante que a Igreja não seja reduzida a uma ONG. Leão está a tomar o seu tempo para nomear pessoas que sejam capazes de o ajudar nas principais responsabilidades. O cargo de papa torna-se impossível para quem não pode contar com os colaboradores adequados. Já a escolha do nome, que remete para Leão Magno e para Leão XIII, mostra claramente a sua vontade de ser um autêntico “pai dos pais”, um verdadeiro pastor da Igreja universal. Temos de rezar por ele e de o ajudar, cada qual no papel que desempenha».
Trata-se, é certo, de indícios, e não de provas de uma mudança real, mas também não há provas do contrário, e as previsões críticas sobre o pontificado leonino assentam em indícios frágeis. O jogo permanece, portanto, em aberto, com problemas em discussão, que dizem respeito, além da questão decisiva das nomeações, a questões cruciais como a sinodalidade e as relações do Vaticano com a China.
É fácil sugerir ao Papa o que ele deve fazer, ou mesmo exigir que o faça rapidamente, quando não se ocupa o seu lugar nem se tem a responsabilidade de o fazer. Mas convém recordar que São Pio X só condenou o Modernismo quatro anos depois de assumir o pontificado, apesar de ter o seu lado um Secretário de Estado que lhe era muito próximo, o Cardeal Rafael Merry del Val; onde está hoje o grupo de colaboradores antimodernistas capaz de auxiliar Leão XIV a tomar decisões, tendo em conta que o novo Papa não é certamente um Pio X, como mostra a sua formação cultural e a sua experiência pastoral?
Entre os grandes pontífices dos últimos dois séculos, contamos também Pio IX, um Papa que se tornou antiliberal apenas três anos após a sua eleição, na sequência de um brusco despertar que resultou da perseguição revolucionária e da fuga de Roma. Pio XII, que era um Papa manso e amante das negociações, foi atropelado pela Segunda Guerra Mundial e teve de esperar alguns anos para promulgar as suas grandes encíclicas, Mystici corporis (1943), Mediator Dei (1947), Humani generis (1950) e Ad Cœli Reginam (1954).
A virtude da prudência, natural e sobrenatural, pode exigir tempos que não sejam curtos para a realização de um projecto, e acontecimentos externos, como os bélicos que actualmente se perfilam no horizonte, poderão perturbá-lo. Não sejamos, pois, impacientes, mas vigilantes, depositando toda a nossa esperança em Deus e rezando pelo Papa e pela Igreja neste que é um momento sombrio da história.
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